Por Fabiano Coelho (*)
Infelizmente temos visto, lido e vivenciado episódios chocantes no Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul e no município de Dourados. Nós somos uma sociedade de “história lenta”, de poucas mudanças no âmbito político, social e econômico, em que o “moderno” (aquilo que queremos ser) paga propina ao “arcaico” (aquilo que historicamente somos).
A democracia e os princípios democráticos no Brasil não foram “dados”, e sim conquistados, com muitas lutas, tensões, sangue derramado e, infelizmente, mortes. Os sujeitos e grupos intitulados “vagabundos”, “baderneiros”, “fazedores de balburdia” e “grevistas” de outrora conquistaram os direitos e as garantias constitucionais do contexto contemporâneo.
Em um país democrático, a autonomia se configura como um valor imprescindível. Autonomia se refere a independência, liberdade, competência para gerir sua própria vida. Nas instituições públicas, a autonomia oportuniza que as gestoras e os gestores públicos planejem e executem programas/ações considerando a própria instituição, a comunidade local e, principalmente, a sociedade, razão de existir das instituições públicas.
A autonomia das universidades públicas é garantida pela Constituição Federal de 1988, Artigo 207, que diz: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”
Pergunto: trata-se de uma autonomia descolada/separada da sociedade? Não. A Universidade goza de autonomia para executar as atividades que lhes são próprias, mas sua autonomia está atrelada aos seus compromissos com a sociedade, em consonância com as leis que regem a administração pública.
Um dos princípios democráticos garantidos pela autonomia universitária é a possibilidade de consulta a comunidade acadêmica (alunos e alunas; técnicos e técnicas; e professores e professoras) sobre a escolha dos seus gestores, e seus representantes de categoria.
Ignorar a escolha da comunidade em qualquer contexto democrático é autoritarismo, é fazer prevalecer a vontade de algumas pessoas e não do coletivo. Aliás, uma das característica de nossa cultura política é a confusão entre o que é “público” e o que é “privado”. Há pessoas que fazem do público a extensão da sua casa, dos seus interesses e dos interesses exclusivos do seu grupo.
Ao me referir sobre democracia e autonomia universitária foco na nossa querida Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Recentemente a Instituição realizou sua Consulta Prévia, que é o momento em que a comunidade acadêmica elege, por meio do voto, quem quer e legitima para exercer a função de reitor e vice-reitor na Universidade.
A Chapa 1 – “Unidade UFGD”, composta pelo professor Etienne Biasoto e pela professora Claudia Lima foi a vencedora da Consulta Prévia da UFGD. Em segundo lugar ficou a Chapa 3 – “UFGD Mais”. Em terceiro lugar ficou a Chapa 2 – “UFGD em Ação”.
Após a Consulta Prévia, o Colégio Eleitoral foi convocado para a composição da Lista Tríplice. E o voto da comunidade UFGD foi respeitado, com a eleição do professor Etienne e da professora Claúdia em primeiro lugar. No entanto, o processo de escolha da reitoria da UFGD foi judicializado sob a argumentação de que houve ilegalidade na formação da Lista Tríplice.
A questão já foi julgada em Dourados e a liminar do Ministério Público Federal foi “derrubada”. O juiz que julgou a ação não observou irregularidades e determinou que a Lista Tríplice seguisse “seu curso regular”. O promotor público federal em Dourados recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, e a lista tríplice da UFGD até o momento está suspensa.
Nesses percalços, a UFGD foi colocada sob INTERVENÇÃO. As pessoas que se beneficiam da intervenção (com cargos ou pelo mero prazer de ver o governo não respeitar a comunidade universitária) dizem que a “interventora/reitora” é “pro tempore”, temporária, mas as evidências mostram que a democracia e a autonomia universitária na UFGD e em outras instituições estão ameaçadas. Vivemos tempos sombrios.
A interventora nomeada, professora Mirlene Ferreira Macedo Damázio, tem vínculos com a Chapa que ficou em último lugar no processo de Consulta Prévia na UFGD. Ela representa o projeto da chapa que ficou EM ÚLTIMO LUGAR na eleição da Consulta Prévia. Durante a campanha, andava uniformizada e fez vídeo pedindo votos para a Chapa.
A Chapa que teve a menor aceitação da comunidade UFGD está administrando a Instituição no momento. A interventora tem realizado nomeações de pessoas para as pró-reitorias ligadas a chapa que ficou em último lugar na Consulta Prévia. Triste e revoltante também foi a escolha e a nomeação de um vice-reitor que também andava uniformizado e fazia campanha para a chapa que ficou em último lugar na Consulta Prévia.
Está óbvio que o OPORTUNISMO da intervenção NA UFGD vem na esteira da instabilidade dos princípios democráticos e da autonomia universitária que o governo atual atropela sistematicamente. Os que odeiam a democracia e a autonomia universitária se sentiram encorajados a “mostrar a sua cara, sua face”. Querem fazer da UFGD o quintal de sua casa. Querem fazer da UFGD a extensão dos seus interesses e do seu grupo.
As diversas mídias nacionais e regionais estão denunciando o que está se passando na UFGD. Junto às denúncias em jornais e mídias eletrônicas, diversas entidades nacionais e internacionais tem se posicionado e REPUDIADO o episódio fatídico que a UFGD enfrenta.
Defender a democracia na UFGD é defender as universidades públicas. É defender Dourados. É defender o Estado Democrático de Direito. A intervenção na UFGD é um golpe em curso. REPITO E DENUNCIO: A intervenção na UFGD é um golpe em curso. É um desrespeito com as instituições. É um desrespeito com a comunidade UFGD. É uma vergonha para Dourados, para o estado e para o Brasil.
A interventora e os/as demais interventores NÃO SÃO LEGÍTIMOS na UFGD nem por um dia, nem por um minuto, nem por um segundo. Não foram eleitos, não tiveram votos.
Para finalizar, me aproprio de uma canção de Chico Buarque de Holanda: “Apesar de vocês; “interventora e interventores”; Amanhã há de ser outro dia”.
(*) Fabiano Coelho é docente dos Curso de Graduação e Pós-Graduação em História da UFGD. É membro da Diretoria da ADUFDourados (2019-2020)