Magistrado comparou o uso de agrotóxicos ao combate à dengue: “atividade não pode ser suprimida, pelo bem da coletividade”. MPF estuda recurso.
Avião agrícola sobre aldeia de MS. Piloto foi denunciado criminalmente. Foto: Ascom MPF/MS
O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul (MS) estuda recurso contra decisão da 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados, que considerou improcedente a ação por danos morais coletivos no valor de R$ 286.582,00 contra o piloto Laurentino Zamberlan, o proprietário rural Cleto Spessatto e a empresa Dimensão Aviação Agrícola LTDA.
Eles são acusados de pulverizar agrotóxicos sobre o Território Indígena Guyra Kambi’y, na região de Dourados (MS), em 6 de janeiro de 2015, afetando crianças e adultos da comunidade, que apresentaram dores de cabeça e garganta, diarréia e febre. O MPF ajuizou ação civil pedindo o estabelecimento da multa, que iria ser revertida para programas de saúde e de educação, além do acompanhamento da saúde e monitoramento mensal da qualidade do solo e da água utilizada pela comunidade, durante 10 anos.
Na decisão, o magistrado aceitou a afirmação dos acusados, de que pulverizaram adubo foliar e não agrotóxico, e que a aeronave agrícola aplicou o produto a pelo menos 12 metros de distância do território indígena. Para ele, “há atividades que não podem ser suprimidas sem grave prejuízo à coletividade. O próprio combate à dengue, por exemplo, exige, muitas vezes, aplicação por pulverização de inseticida pelas ruas da cidade, para matar o mosquito”.
Para Justiça, aplicação única de agrotóxicos não é irregular
Para o magistrado, para causar dano à saúde, a aplicação de agrotóxico “deveria ser de forma não ocasional nem intermitente”. Ou seja, uma única aplicação de agrotóxico sobre aldeia indígena não é considerada irregularidade. Para o MPF, a Instrução Normativa nº 02/2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é clara, ao determinar que não é permitida “a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de 500 metros de povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população”.
No caso da aplicação aérea de fertilizantes e sementes, “em áreas situadas à distância inferior a 500 metros de moradias, o aplicador fica obrigado a comunicar previamente aos moradores da área”. Indígenas de Guyra Kambi’y alegam que, a partir de 2013, o uso de agrotóxicos junto à comunidade se intensificou e que ele é aplicado tanto de trator quanto de avião.
A decisão também afirma que os serviços de saúde da área não receberam indígenas com os sintomas descritos. Para o MPF, a explicação está na distância do posto de saúde mais próximo, a 2 km de caminhada. Dificilmente alguém que está sofrendo os efeitos da contaminação por agrotóxicos consegue caminhar tal distância. Em depoimento, o cacique Ezequiel João alega que, em alguns casos, os indígenas utilizam remédios naturais, como raízes, para resolver a situação. Só quando os meios naturais são ineficazes, eles recorrem aos serviços de saúde.
Além do processo cível, o MPF também denunciou o piloto do avião agrícola, Laurentino Zamberlan, pelo crime de aspersão de agrotóxicos sobre a aldeia indígena Guyra Kambi’y. A denúncia criminal foi aceita pela Justiça Federal e o piloto responde como réu à acusação.
Referência processual na Justiça Federal de Dourados
Processo cível (indenização): 0002524-88.2017.4.03.6002
Processo criminal: 0004118-74.2016.4.03.6002