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ONU corta comida a refugiados na África por falta de verba

Crise faz agências da ONU pelo mundo diminuírem serviços e demitirem funcionários; secretário-geral diz que o dinheiro acabou em junho

por: terra

A falta de verbas internacionais para lidar com crises humanitárias levou a ONU a cortar o volume de alimentos que destina a cada um dos refugiados que atende na Etiópia e em outros países da África. O objetivo do racionamento é garantir que a mesma quantidade de pessoas continue recebendo alimentos, apesar das dificuldades financeiras.

Para o período 2018-2019, o orçamento da ONU está estimado em US$ 5,4 bilhões. Segundo o secretário-geral da entidade, António Guterres, o dinheiro acabou no fim de junho, o que nunca havia ocorrido. Naquele mês, as contas já apresentavam déficit de US$ 139 milhões.

Refugiados da República Democrática do Congo em Uganda, no dia 10 de abril de 2018
Refugiados da República Democrática do Congo em Uganda, no dia 10 de abril de 2018

Foto: Jack Taylor / Getty Images

Na Etiópia, vivem cerca de 1 milhão de refugiados, principalmente do Sudão do Sul. “A falta de dinheiro está comprometendo de forma severa a qualidade da proteção prestada aos refugiados”, disse Messeret Debebe, representante da Administração Etíope para Refugiados.

Segundo cálculo da ONU, num acampamento de refugiados, a ajuda alimentar precisa conter 2,1 mil calorias para cada pessoa. Para um adulto, tal quantidade serve apenas para evitar que perca peso. Portanto, um corte de 10% ou 20% nas cotas de alimentos pode ter um impacto real.

Em Ruanda, a entidade cortou em 25% o volume de alimento em cada porção destinada aos refugiados do Congo. Em fevereiro, diante da medida, protestos ocorreram e a polícia interveio e 11 refugiados morreram.

Já em dezembro, a ajuda alimentar na Somália foi suspensa para 500 mil pessoas. Mesmo na Síria, o número de beneficiados pelo Programa da ONU para Alimentação caiu de 4 milhões em 2017 para 2,8 milhões em 2018.

No Sudão do Sul, as refeições também foram cortadas em meados do ano. A conta da ONU é que faltam quase US$ 800 milhões para conseguir atender aos 2,8 milhões de refugiados e deslocados internos que fugiram de suas casas desde 2013. No início do ano, previa-se que a região precisaria de US$ 834 milhões. Mas recebeu US$ 64 milhões.

Contribuições

Algumas das piores crises estão sem respostas diante da falta de contribuições internacionais. Dados da agência da ONU para agricultura e alimentação (FAO) revelam que, em pelo menos sete países onde a fome é grave, os programas contam com menos de 10% do orçamento necessário para que a entidade possa distribuir alimentos.

No início de 2018, a FAO havia previsto gastar US$ 1 bilhão para atender às necessidades emergenciais de 33 milhões de famintos pelo mundo. Sete meses depois, recebeu menos de 30% do valor e seus programas estão ameaçados.

Na Líbia, a FAO solicitou US$ 4,1 milhões. Mas não recebeu nem um centavo. Na Coreia do Norte, dos US$ 9 milhões orçados, entraram apenas 5,5%. Sobre a guerra na Síria, a FAO solicitou US$ 120 milhões para garantir alimentos à população. Após sete meses, recebeu 6,2% do valor necessário.

Países que dez anos atrás estavam na lista de prioridades de governos pela visibilidade que a crise dava deixaram de interessar. Um dos casos é o do Haiti. Entre os funcionários internacionais, o Haiti é o exemplo de um país que sofre de “fatiga de doadores”, cansados de enviar dinheiro sem um retorno claro e uma solução em vista.

Demissões. Criada há 70 anos, a agência da ONU para refugiados, a UNRWA, foi obrigada a demitir funcionários e reduzir o tempo de trabalho de centenas de outros diante da falta de recursos. Em janeiro, a Casa Branca anunciou que reduzirá sua contribuição anual de US$ 360 milhões para US$ 60 milhões. O problema é que US$ 1 a cada US$ 3 usados pela entidade para pagar seus programas – incluindo a escolarização de 500 mil crianças – vinha dos recursos americanos.

Sem opção, a agência anunciou a demissão de 267 pessoas em Gaza e na Cisjordânia a partir deste mês. Outros 500 funcionários passarão a ganhar por horas, com o período de trabalho reduzido. A agência foi criada em 1948 para ajudar os palestinos que tiveram de deixar suas casas com a criação do Estado de Israel. Hoje, presta serviços a 3 milhões de pessoas.

A UNRWA, que por certo tempo recebeu apoio do Brasil, decidiu se lançar em uma operação diplomática para conseguir recursos e compensar os cortes americanos. “Estamos determinados a manter os serviços para os milhões de palestinos que dependem de nós na Jordânia, no Líbano, em territórios palestinos e na Síria”, disse Chris Gunners, representante do programa. Uma das saídas tem sido encontrada com o Banco Mundial, que autorizou o envio de US$ 90 milhões para financiar as atividades da entidade, até o final do ano.

Para entender: dinheiro nunca acabou tão cedo

De uma forma sem precedentes, a ONU vive uma penúria de recursos que começa a afetar sua capacidade de responder a algumas das maiores crises internacionais, deixando refugiados ou famintos sem atendimento em diferentes partes do mundo.

A crise financeira na ONU não é nova, mas desta vez a situação é mais grave. Numa carta enviada a todos os governos do mundo, o secretário-geral da entidade, Antonio Guterres, deixou claro que nunca sua organização entrou no vermelho no orçamento tão cedo no ano fiscal.

A ONU conta com dois orçamentos. Um deles – o regular – cobre gastos administrativos e fundos para programas específicos. O segundo cobre as operações de paz, estimadas em US$ 6,7 bilhões para dois anos. A ajuda do Banco Central para financiar as atividades da ONU é vista por Nickolay Mladenov, coordenador especial para o Processo de Paz do Oriente Médio, como essencial.

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