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Saúde

Nova tabela de frete pode inviabilizar tratamento renal no país

 
Custo de envio de insumos de diálise para as clínicas passa a ser mais caro que o preço dos medicamentos tabelado pelo Governo Federal. Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste reúnem 40% dos pacientes brasileiros que precisam do tratamento para sobreviver e devem ficar desabastecidas

A greve dos caminhoneiros em maio deste ano expôs para todo o Brasil a complexa logística necessária para abastecer semanalmente clínicas de hemodiálise de todo país, que garantem tratamento a mais de 120 mil pessoas portadoras de doença renal e que precisam, por isso, receber o tratamento de três a seis vezes por semana. Os insumos necessários para a realização das terapias são de grande volume e, por isso, precisam ser entregues semanalmente para reabastecer as quase 750 clínicas existentes no Brasil. O bloqueio das estradas pelos grevistas, colocou em risco a vida dos pacientes em tratamento. Superada a greve, um desdobramento da pauta de reivindicações coloca agora essas vidas novamente em risco. A possível sanção da medida provisória que regulamenta a tabela mínima de frete – que garante margens melhores para o caminhoneiro – pode tornar inviável a distribuição dos insumos de diálise para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já tem em mãos um dossiê feito pelo setor com levantamento completo da complexidade logística da diálise. O documento demonstra que já hoje – antes mesmo da aprovação da MP do Frete – o envio de insumos de diálise para regiões mais distantes do país não se paga. O alerta foi feito pela Associação Brasileira dos Produtores de Soluções Parenterais (Abrasp), que reúne as quatro empresas fornecedoras destes insumos no Brasil.

Aqui no país, os preços dos medicamentos são tabelados pelo Governo Federal, que define reajustes anuais, que seguem critérios definidos pelo CMED. No caso do concentrado para hemodiálise – insumo sem o qual a terapia não se realiza – de 2004 a 2016 o valor permitido de cobrança teve um reajuste acumulado de 59%, de acordo com o dossiê da Abrasp. No mesmo período, o frete subiu 305%.

Em valores, o custo de frete por tonelada para distâncias de até 2.400 km já chegava, em dezembro de 2016, a R$ 2.437,41. Ou seja, para cada galão de 5 litros do concentrado que viaja 2.400km para chegar ao paciente existe um custo de aproximadamente R$ 14. O preço tabelado do concentrado para diálise não ultrapassa R$ 13. O frete, somente, supera o valor permitido a ser cobrado pelo medicamento em quase 8%.

“A própria CMED se posicionou positivamente sobre o pleito da indústria para rever a tabela dos insumos de diálise, mas os gestores alegaram estarem amarrados pela legislação atual vigente no país. A CMED admitiu que a fórmula de reajuste anual dos insumos nunca considerou o frete. O que inviabilizará o abastecimento das regiões mais distantes do país”, afirma André Ali Mere, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Soluções Parenterais (Abrasp).

Como a maioria das fábricas deste tipo de insumo está concentrada no eixo Sul-Sudeste do país, enviar os medicamentos para regiões do Norte, Nordeste e até Centro-Oeste vai ficar inviável com a nova MP do Frete. O que coloca em risco a vida de milhares de pessoas que precisam deste tratamento para sobreviver. Vale lembrar que 40% dos pacientes que precisam de hemodiálise no país residem hoje nestas três regiões.

Se pensarmos que a Lei 10.742/2003, que criou as regras de intervenção do Estado no preço dos medicamentos, definiu que a regulação do setor farmacêutico “tem por finalidade promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor”; a aprovação da MP do Frete leva o Governo Federal a descumprir a lei e a condenar pacientes crônicos à morte.

Em 2017, a Abrasp chegou a solicitar um parecer do Ministério da Saúde sobre a necessidade de reformulação do tabelamento dos insumos. A consultoria jurídica da pasta, no entanto, nunca deu retorno ao pleito.

A complexidade da diálise – Para cada sessão de tratamento que o paciente é submetido são gastos em torno de 3,3 litros de soluções concentradas. Considerando que o paciente realiza pelo menos três sessões por semana, cada um deles consome cerca de 10 litros de concentrado no período. A média é de 140 pacientes por clínica de hemodiálise, o que dá 5600 litros por mês em cada unidade.

Principais dados:

– 15-18% da população brasileira tem algum comprometimento renal.

– 120.000 pacientes em tratamento dialítico no Brasil, sendo 75% deles pelo SUS (90.000)

– Prevalência: países com bom padrão de atendimento tem cerca de 1.000 pacientes em tratamento para cada milhão de habitantes; Brasil tem aproximadamente 550 pacientes para cada milhão de habitantes (Para manter os 1.000 por milhão precisaria ter 200 mil pacientes no Brasil e hoje tem 110 mil identificados).

– Não é que o Brasil tem menor prevalência da doença e sim que há ausência de diagnóstico e muitos vão a óbito antes de descobrirem o problema renal.

O QUE DIZEM OUTRAS ENTIDADES:

“O maior problema do doente renal crônico no Brasil não é o tratamento em si, não é a insuficiência renal e não é ter que ficar três vezes por semana purificando sangue para não morrer com o organismo cheio de toxina. O pior problema é a assistência dada aos pacientes por parte do governo. Nada é feito em prol do paciente, nada é feito para que o paciente tenha tranquilidade com o seu tratamento. Hoje, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país sofrem um problema muito sério de abastecimento de materiais e insumos por conta do valor exorbitante do frete. O valor aumentou essa semana mais uma vez. E isso está fazendo com que os donos de clínicas passem a refletir em atender ou não em determinados lugares, pois vai se gastar mais do que arrecadar com o tratamento dialítico. E temos de compreender que as empresas que fornecem os insumos vivem disso, elas são fornecedoras, elas não podem bancar o tratamento e não podem assumir as obrigações do governo.

Eu acho que tem se abrir uma grande discussão sobre isso. Nós, pacientes, não temos poder ou algum mecanismo para aumentar a diálise automaticamente, não existe isso no Brasil. É uma luta diária. É urgente que se olhe um pouco mais para o doente renal e para o todo segmento que ficamos inseridos. Já sofremos com a doença e toda hora temos de lidar com notícias de falta de abastecimento, de falta de pagamento por parte de alguns municípios e de solvência de algumas unidades de diálise. Vivemos inseguros. O mais triste é pensar que o tratamento renal no Brasil já foi considerado um dos melhores do mundo. A decadência é visível. Espero que consigamos estabilizar a parte financeira para termos o sossego que nosso tratamento está garantido.

(Gilson Nascimento, Diretor-Geral da Aliança Brasileira de Apoio à Saúde Renal – Abrasrenal)

“Qualquer elevação de custos para as unidades de diálise neste momento só serve para piorar a situação das empresas que prestam serviços ao SUS. Porém, creio que a maior preocupação está ligada à menor oferta de tratamento à população. As consequências são muitas. Por exemplo, milhares de brasileiros estão sem acesso à diálise peritoneal, pois, os valores pagos às clínicas e às indústrias, com um único aumento em quase 15 anos, estão levando, praticamente, à extinção da terapia.”

(Carlos Pinho, diretoria da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante – ABCDT)

 

Contatos para Imprensa:

Naila Oliveira

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