Uma ação civil foi apresentada, pedindo liminar para obrigar União a cumprir um calendário
Por: Campo Grande News
A comunidade indígena Kurupi Santiago Kuê decidiu ir à Justiça Federal para tentar assegurar a demarcação de terras e ingressou com uma ação civil pública, em Naviraí, contra a União e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Os indígenas, de origem Guarani e Kaiowá, apontam morosidade e negligência do poder público e pedem concessão de liminar impondo um calendário para a regularização da área que reivindicam como sua e multa diária de R$ 50 mil por descumprimento.
São cerca de 100 famílias fixadas em uma área de 20 hectares desde 2014; chegou a haver iniciativa de colocar uma cerca para as isolar de propriedades rurais da região, sendo impedida a ação pela Justiça Federal. Há tamanha tensão envolvendo indígenas e fazendeiros na região de Naviraí que o Ministério da Justiça mantém a Força Nacional para evitar confrontos. Há cerca de um mês, o juiz federal Rodrigo Vaslin chegou a ir até à área onde vivem os indígenas para verificar a situação em que se encontravam.
Em uma longa petição, assinada por dois advogados, é descrita toda a burocracia que envolve a questão das terras indígenas no Brasil, tendo como marco inicial a Constituição Federal, de 1988, que determinou a demarcação das terras e estabeleceu um prazo de cinco anos. No caso específico da comunidade, consta que houve vários atos em diferentes momentos, mas nunca um avanço que se aproximasse do reconhecimento ou demarcação. A petição aponta tanto a demora em relação ao prazo constitucional, de trinta anos, até a prazos posteriores em que surgiram promessas, superando 24 anos de expectativas.
Entre os vários passos, consta pedido do Ministério Público Federal em 2005 à Funai para que iniciasse investigações, depois vem a criação de um grupo técnico em 2008, edição de nova portaria em 2010, anos em que não houve nenhuma movimentação e a promessa de entrega de estudos em 2019.
No tempo recente, é mencionado que em outubro de 2022 a Funai publicou nova portaria prevendo a criação de um grupo técnico, nunca instituído. O objetivo anunciado foi de realizar estudos antropológicos, etno-históricos, sociológicos, jurídicos, cartográficos e ambientais.
Com tantos passos sem avanços, a ação civil pública despontou como uma possibilidade, mesmo comunidades não figurando como possíveis autoras na lei federal que regulamenta esse tipo de ação, atribuída a órgãos públicos, fundações, associações. O entendimento do advogado dos indígenas, Anderson de Souza Santos, é que é possível considerar tal grupo como legitimado.
Histórico de tensão – Além de fazer uma cronologia sobre o jogo de avanços e recuos da burocracia, a ação também descreve as tensões e animosidades que acompanham as reivindicações dos indígenas pelo reconhecimento de suas terras.
É apontada a chamada marcha para o oeste, que fixou muitas famílias na região do Conesul do Estado, incentivada nos anos 1940, com a oferta das terras tidas como devolutas, ignorando-se a existência de indígenas. Já na última década, a petição inicial descreve várias situações conflituosas, como em 2013, com presença policial e até uso de helicóptero, e ainda mortes na região Sul do Estado.
O texto associa a elevação da tensão e as dificuldades enfrentadas pelos indígenas à morosidade e negligência da União, apontando que o caminho judicial já foi buscado em outros momentos pelo MPF, em Mato Grosso do Sul, como na Aldeia Ivy Katu, em Japorã, e em outros estados, para obter decisão que forçasse a regularização. A expulsão de terras seria a responsável por perda de cultura, as tradições, a identidade e até ameaça à sobrevivência dos povos.
Os advogados mencionam que a falta de regularização resultou no que muitos chamam de “índios entre a cerca e o asfalto” e “índios do corredor”.
Liminar – A ação pede que a Justiça conceda liminar, antecipando o pedido, para determinar à União e à Funai que retomem, de imediato, o procedimento de delimitação, com a multa diária de R$ 50 mil por descumprimento. Autorizado início, pede que em um ano seja publicado Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação e remessa do estudo para fases seguintes, a publicação de portaria três meses depois e mais um ano para conclusão da demarcação. Por fim, vencida essa fase, os advogados pedem que em seis meses haja a homologação para o chefe do executivo.