Na manhã de hoje, o jovem guarani-kaiowá Neri Ramos foi morto a tiros em um novo confronto com o choque da PM
Por Mylena Fraiha e Helio de Freitas, de Dourados |
Indígena morto com tiro na cabeça, na manhã de hoje, em área de conflito em Antônio João (Foto: Divulgação)
Mesmo após a morte de um indígena guarani-kaiowá em confronto com a Polícia Militar, a Justiça Federal de Ponta Porã manteve nesta quarta-feira (18) a decisão que autoriza o policiamento ostensivo na Fazenda Barra, sobreposta à Terra Indígena Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João, a 319 km de Campo Grande. A área é palco de conflitos entre fazendeiros e indígenas há quase três décadas.
Na manhã de hoje, o jovem guarani-kaiowá Neri Ramos, de 23 anos, foi morto a tiros em um novo confronto com a tropa de choque da PM no território Nhanderu Marangatu, próximo à fronteira com o Paraguai.
Apesar do ocorrido, a 1ª Vara Federal de Ponta Porã, em decisão assinada pelo juiz Cristiano Harasymowicz de Almeida, manteve o policiamento ostensivo pela Polícia Militar e pela Força Nacional de Segurança na região. O magistrado determinou que as forças de segurança garantam o acesso da comunidade indígena à água pelo Córrego Estrelinha, “respeitando os limites da propriedade privada”.
A decisão afirma que o policiamento é necessário para a “garantia da ordem e da segurança […] sempre zelando pelo respeito à vida, à integridade física e aos direitos fundamentais de todas as pessoas envolvidas, com o objetivo de buscar solução pacífica do conflito”.
O juiz determinou que a Sejusp (Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul), a Força Nacional de Segurança e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) apresentem, no prazo de cinco dias, relatórios detalhados sobre as ações de cada instituição no gerenciamento da crise.
Além disso, o Ministério dos Povos Indígenas foi notificado para informar, no mesmo prazo, as medidas adotadas em relação ao conflito. Por fim, o magistrado oficiou o Supremo Tribunal Federal, por meio da Comissão Especial responsável por questões envolvendo o marco temporal de demarcação de terras indígenas, para que tome ciência do caso e avalie a possibilidade de incluir o conflito em futuras rodadas conciliatórias.
Entenda – Na manhã de hoje, o jovem guarani-kaiowá Neri Ramos, de 23 anos, foi morto a tiros em um novo confronto com a tropa de choque da PM no território Nhanderu Marangatu, próximo à fronteira com o Paraguai.
Ele foi atingido na cabeça durante o embate com policiais militares e homens do Batalhão de Choque na Fazenda Barra, uma das propriedades rurais que compõem o Território Nhanderu Marangatu, palco de diversos conflitos sangrentos nos últimos 25 anos.
Policiais no local alegam que os indígenas investiram contra a tropa e teriam atirado com armas de fogo, embora a Sejusp não tenha relatado policiais feridos.
A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) classificou a morte de Neri como um “assassinato” e manifestou indignação diante dos ataques à comunidade Guarani na Terra Indígena Nhanderu Marangatu. Em nota oficial, a Funai declarou: “Um indígena foi brutalmente assassinado com um tiro na cabeça, conforme informações confirmadas pela unidade da Funai em Ponta Porã”.
A Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani-Kaiowá, denunciou o caso como um “massacre” e afirmou que a Polícia Militar atacou a comunidade indígena para promover o despejo forçado. Em suas redes sociais, a Aty Guasu acusou a Tropa de Choque de ter atacado deliberadamente a área de “retomada” na Fazenda Barra com intenção de matar.
Demarcação – O Território Nhanderu Marangatu, de 9,3 mil hectares, teve sua demarcação homologada em 2005, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, a demarcação foi suspensa após mandado de segurança impetrado no STF (Supremo Tribunal Federal).
O processo está há anos sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Há ainda uma ação em andamento no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) que pede a aplicação da tese do marco temporal. Além disso, há uma liminar da Justiça Federal de Ponta Porã que autoriza a presença da Polícia Militar na área.
A Fazenda Barra pertence aos pecuaristas Pio Queiroz Silva e Rozeli Ruiz, pais da advogada Luana Ruiz Silva, assessora especial da Casa Civil do governo de Mato Grosso do Sul. Até o momento, a Secretaria de Segurança Pública do estado não se pronunciou sobre a morte de Neri.
Vale ressaltar o histórico de violência estrutural na região, onde o povo Guarani-Kaiowá, em Nhanderu Marangatu, já foi vítima de outros assassinatos, como o de Simião Vihalva em 2016, Dorvalino Rocha em 2005 e Marçal Tupã em 1983.