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A mais de 1,4 mil km, o museu que se queimou levou parte da história de MS

Acervo único sobre a cultura indígena, mais de 200 peças sobre os Guarani e Kaiowá eram guardadas no Museu

O Museu Nacional, um dos mais antigos do Brasil, em chamas (Marcelo Sayão/EFE)
O Museu Nacional, um dos mais antigos do Brasil, em chamas (Marcelo Sayão/EFE)
por: campograndenews

O passado é algo abstrato. Quando observado, pode trazer lições. Para ser guardado, se vale de objetos materiais que ajudam a construir a memória. Parte dessa memória perdeu-se, ontem (2), no incêndio que atingiu um dos primeiros polos de pesquisa do Brasil: o Museu Nacional do Rio de Janeiro. No meio dela, a mais de 1,4 mil de quilômetros de distância de Campo Grande, viraram cinzas itens que ajudam a contar como Mato Grosso do Sul surgiu.

Além de vasto material sobre a guerra do Paraguai, incluindo um livro de poemas do ditador Paraguai Francisco Solano Lópes, o museu guardava parte da história indígena do Brasil e de Mato Grosso do Sul. O local abrigava o maior acervo da etnia sul-mato-grossense Guató. Além dos Guató, levantamento apontou que ali ficavam guardadas 265 peças dos Guarani e Kaiowá, entre objetos de cerâmica e artefatos religiosos.

Pesquisadores indígenas de Mato Grosso do Sul tinham, no Museu, além de uma referência, uma conquista: estudar e pesquisar em um dos locais mais caros à história indígena do Brasil e do mundo. Agora, lamentam as perdas, ainda incalculáveis, com o incêndio de grandes proporções.

Jorge Eremites de Oliveira é formado em história e concluiu o estágio de pós-doutorado em Antropologia Social pela Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Jorge afirma que o dia é de luto.

“É muito difícil falar sobre isso, porque está todo mundo entristecido, enlutado com essa tragédia do incêndio no Museu Nacional. O Museu tem vários acervos de valor incomensurável, acervos que dizem respeito à história, arqueologia, antropologia, linguística e várias outras, é um acervo constituído ao longo de 200 anos. Diz respeito à história do Brasil, mas também à história mundial”, comentou.

Eremites conta que o Museu Nacional “é o maior Museu do Brasil”. “Foi construído a partir da década 1810, logo depois que a família real portuguesa veio para o Brasil. Ali também é o berço de onde foi proclamada a república”, conta.

Revista da Exposição Antropológica Brasileira, de 1882 (Reprodução)
Revista da Exposição Antropológica Brasileira, de 1882 (Reprodução)

O que o pesquisador relata, é que o incêndio foi uma tragédia anunciada. Há anos e diversas gestões, afirma, recursos eram pedidos para preservar as estruturas. “ A direção do Museu, os colegas estão há vários anos implorando por recursos para restauração e adequação de normas atuais de segurança e governo após governo isso não foi feito”, contou.

Responsável pelo levantamento das 265 peças sobre os Guarani e Kaiowá, Tonico Benites fez o mestrado, doutorado e o pós-doutorado no Museu, que é ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O tema do pós-doutorado de Tonico foi realizar levantamento sobre o acervo do Museu. Benites afirma que havia, na local histórico, mais de 30 mil peças sobre os povos indígenas.

“Na verdade eu fiz meu pós-doutoramento fazendo o levantamento sobre o acervo. Ali tem mais 30 mil peças, específico sobre coleções dos Guaranis tentei fazer levantamento no setor etnologia, etnografia, tentando mapear um pouco sobre o acervo dos Guarani e Kaiowás de Mato Grosso do Sul. Eu consegui pegar o levantamento, 265 peças do povos Guaranis e Kaiowás de Mato Grosso do Sul, que foi levado lá em meados de 1950. Objetos de cerâmica, objetos de rituais, são todas peças dos povos Guarani e Kaiowá”, comentou.

“É lamentável, é muito difícil, porque ali estava toda a origem da história dos Guarani e Kaiowá. É para entender a história do começo do Brasil. O Museu Nacional era muito amplo”, conta. Agora, relata, as perdas podem até dificultar as pesquisas sobre os indígenas.

Advogado Terena, Luis Henrique Eloy faz Doutorado no Museu Nacional. Para ele o dia é triste, já que o doutorado representa uma conquista, além do aprendizado sobre direitos indígenas. “O Museu Nacional tem um significado muito especial pra mim e pra minha família também. Historicamente, especialmente no período da ditadura, o Museu foi um grande centro de encontro e de agrupamento de pesquisadores que fizeram um enfrentamento à ditadura militar e a opressão que estava naquele momento político no país. Mas o Museu tem um grande acervo do ponto de vista indígena”, comenta.

“Pra mim foi uma oportunidade de conhecer e aprofundar as leituras no que diz respeito à política indigenista, meu orientador lá é o Antônio Carlos de Souza Lima que trabalha muito com essa questão da antropologia do Estado. Nós perdemos, todos os brasileiros e a humanidade, perdeu ali parte do seu passado”.

Os Kadiwéu ou Guaicurus, citados na revista (Reprodução)
Os Kadiwéu ou Guaicurus, citados na revista (Reprodução)

Maior acervo dos Guató – Gerente de patrimônio da prefeitura de Campo Grande, Lenilde Ramos realizou uma pesquisa sobre um dos nomes responsáveis pelo acervo de todo o Museu, o cientista polonês Stanislao Pryemspki. Convidado para vir ao Brasil e trabalhar no Museu Nacional, ele montou uma base no pantanal sul-mato-grossense. Ali, se apaixonou pelo bioma e acabou fixando residência.

O pesquisador auxiliou a montar o maior acervo nacional sobre a etnia Guató. Além disso, contribuiu para a biologia, já que enviou plantas e animais empalhados para o Museu. “Ele colaborou muito com pesquisa sobre plantas, se tornou taxidermista, mandou muitos animais empalhados que estão no Museu. Recolheu peças dos Guatós, conseguiu mandar uma canoa inteira”, conta.

Jorge Eremites resume o sentimento da memória nacional.

“A tragédia é tão grande que a gente não consegue explicar com as nossas próprias palavras. É muita emoção, são muitas lágrimas, pudera essas lágrimas terem apagado aquele incêndio”.

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