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Limite do porte de maconha não significa legalização, alerta juiz

Juiz e especialista em Criminologia, José Henrique Kaster, explica mudanças criminais após decisão do STF

Por Mylena Fraiha | Campo Grande News

Na quarta-feira (26), o STF (Supremo Tribunal Federal) detalhou os impactos da descriminalização do porte de maconha para consumo, aprovada pela maioria da Corte. A partir de agora, portar a droga passa a ser um ilícito administrativo. Isso significa que o usuário não poderá mais ser submetido a um processo penal, nem terá um registro na sua ficha criminal.

O Campo Grande News conversou com o juiz de direito José Henrique Kastero Franco, que atua no Cijus (Centro Integrado de Justiça) na Capital, para entender o que mudará com a descriminalização do porte da maconha. Além de juiz de direito, ele também possui estágio pós-doutoral em Criminologia pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha.

Para os “desavisados”, o juiz José Henrique reforça que nenhuma droga, nem mesmo a maconha, foi legalizada. “O que mudou agora é que não é mais crime. Mesmo que seja pego mais de uma vez, a pessoa não terá uma ficha criminal extensa que, às vezes, levava à prisão por outros crimes”, esclarece.

O principal impacto para o usuário da descriminalização é que ele não terá mais um registro em sua ficha criminal caso seja identificado pela polícia portando maconha. Entretanto, o porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006, com a sanção da atual Lei de Drogas.

O usuário, porém, ainda podia ser submetido a outras penas, como prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. “Ele já não ia preso mesmo. Era submetido a medidas restritivas, como assistir a aulas socioeducativas sobre o consumo de drogas, mas não era preso”, acrescenta.

De acordo com José Henrique, outro ponto importante da decisão é a diferenciação entre usuário e traficante, a partir de uma quantidade de drogas: 40 gramas ou seis plantas de maconha fêmea, que são as que têm alto teor de THC.

Ele menciona que antes da decisão, a criminalização não era bem definida, o que gerava um encarceramento maior de pessoas negras e pobres. “Isso faz com que muitas pessoas que estão na cadeia hoje, em uma zona cinzenta, sejam tratadas de forma diferente. Sabemos que a quantidade de maconha para alguém ser considerado traficante varia de acordo com a cor do réu ou o bairro onde ele mora.”

Entretanto, o juiz aponta que, agora, haverá uma presunção de que aquele que tem a planta em casa ou que transporta até 40 gramas não é considerado traficante. No entanto, outros indícios poderão apontar alguém como traficante, como posse de arma, caderno com anotações sobre vendas ou balança para pesar a substância. “Não impede que outros indícios venham dizer como menos droga ele seja considerado traficante. O importante é que haverá um parâmetro”.

José Henrique destaca que cerca de 50 mil pessoas estão presas por transportarem menos de 25 gramas de maconha. Ele acredita que a descriminalização vai “racionalizar o sistema prisional”, que deveria focar em prender pessoas de escalões mais altos do tráfico. “Hoje, quem são os presos no tráfico de drogas? São presos pela Polícia Militar, sem investigação prévia, que estão nas esquinas. Ou seja, significa que se pega o último grau da escala criminosa e raramente se chega à organização do tráfico”.

Ele também aponta que dar ao usuário a possibilidade de plantar a maconha pode ajudar a descapitalizar o tráfico de drogas. “No momento em que você fabrica a sua droga, esse dinheiro não vai para a mão do crime organizado. Isso é uma grande vantagem. Existe uma demanda muito alta e muito lucrativa; e o Estado não consegue controlar e nunca conseguiu”.

Crime organizado – Segundo o juiz, o pior mal da política de drogas atualmente é a criminalização. Ele explica que a criminalização e a mudança nos números de consumidores não é alterada.

Há um estudo realizado por uma plataforma europeia que analisou a legislação de 10 países ao longo de 10 anos. Os pesquisadores observaram as mudanças na rigidez das leis e concluíram que não há nenhuma relação entre o sistema criminal e o uso de drogas. Quem quer usar drogas vai usar, porque elas já estão disponíveis, mas apenas nas mãos dos traficante”, aponta o especialista em Criminologia.

José Henrique também destaca que o investimento em políticas repressivas é extremamente oneroso para a Justiça e para o Estado. “A Justiça gasta bilhões por ano em uma política comprovadamente ineficaz. Continuamos prendendo pessoas, mas apenas alimentamos o crime organizado, sem alterar os índices de consumo de drogas”.

Encarceramento em massa – Durante sua experiência como juiz na fronteira em Ponta Porã, José Henrique explica que viu mulheres em situação de vulnerabilidade serem recrutadas pelo tráfico de drogas. Ele destaca que o presídio “é uma fábrica de reincidentes”.

“Quando você chega hoje em um presídio, tem que dizer de que facção é. Se você chega ali como dependente químico, vai ter que continuar usando a droga. Sem dinheiro, você sairá devendo favores e como membro de uma instituição criminosa”, comenta o especialista em Criminologia.

Ele também aponta que é preciso pensar em medidas efetivas para afastar os jovens do crime organizado. “É justo encarcerar um jovem que vendeu um punhado de drogas a um adulto de classe média alta que usa drogas por escolha? Normalmente, esse jovem não teve oportunidade de emprego, de um curso profissionalizante. Colocamos essas pessoas no presídio, e elas viram soldados do crime organizado. Hoje, no Brasil, isso é o que acontece”.

Além disso, segundo o juiz, é preciso mudar o entendimento sobre o uso de drogas e entender mais como um problema de saúde pública. “A droga é um problema de saúde, e o foco está errado. O foco deveria ser na pessoa. Se a pessoa está com problema, ela vai usar açúcar demais, maconha demais, álcool demais ou ansiolíticos demais. O problema não é a droga, mas os indivíduos. Precisamos criar uma sociedade que acolha e trate essas pessoas”, aponta José Henrique.

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