Operação Codicia reverte sentença
Além de pena de reclusão, foi determinada a perda da função pública, em resposta a recurso movido pelo MPMS contra a decisão de primeiro grau
Trinta meses atrás, a Operação “Codicia”, desenvolvida pelo GAECO (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), escancarou um esquema ilegal em que agentes de segurança pública – pagos para servir e proteger a sociedade – agiam em sentido contrário, acobertando criminosos e usando como “balcão de negócios” a maior delegacia de Polícia Civil de Ponta Porã, fronteiriça ao Paraguai. A unidade chegou a ficar sem atendimento ao público na fase de campo da operação, diante das buscas e apreensões ordenadas pelo Judiciário a pedido do Gaeco, e da prisão de boa parte do efetivo.
No dia 7 de novembro de 2024, o trabalho do GAECO obteve um resultado importante na Justiça. Desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul acataram recurso ministerial, reformaram sentença de primeiro grau para condenar à prisão dois delegados que passaram pela chefia de delegacias de Ponta Porã.
Segundo as apurações do GAECO que convenceram o Judiciário dos ilícitos, ambos fizeram vistas grossas à corrupção generalizada dos comandados e, pior que isso, foram beneficiados diretamente pelo esquema.
Entre os dois delegados, um já havia sido punido em ação derivada da “Codicia”, à pena de 4 anos de reclusão pelo crime de concussão, sentença confirmada pelo TJMS em março de 2023. Na mesma decisão, outros dois policiais foram sentenciados, a 4 anos e 3 meses de reclusão.
Segunda condenação
Com a nova reprimenda, esse delegado de Polícia Civil passa a ter pena de prisão de mais de 15 anos a cumprir. Acumula, ainda, duas decisões judiciais determinando a perda do cargo.
Para o outro detentor do cargo mais alto na estrutura da polícia judiciária investigado pela “Codicia”, além da perda da função pública, foi arbitrada pela decisão de segundo grau da semana passada, a punição de restrição de liberdade de 8 anos e 5 meses. Ele havia sido inocentado na primeira sentença.
“O conjunto das provas orais e documentais, concernentes a dados oriundos de quebra de sigilo bancário, telemático, extração de dados e interceptações telefônicas, comprovam, de forma inconteste, em detrimento de simples negativa apresentada sem consistência e plausibilidade, que os acusados, na condição de agentes policiais (da ativa e aposentados) e delegados da Polícia Civil da cidade de Ponta Porã, agindo com o mesmo propósito e associados entre si, solicitaram e receberam vantagens indevidas no exercício da função pública desenvolvida”, traz um trecho do acórdão da 3ª Câmara Criminal.
Prossegue o documento anotando que “crimes desse jaez abalam, sem sombra de dúvidas, a credibilidade que a sociedade deposita nos agentes policiais e na instituição a que pertencem, acarretando a conspurcação da imagem, fragilizando a ordem em seu alicerce, causando a instabilidade da paz social, ferindo frontalmente regras basilares e elementares das funções desempenhadas no serviço público, tudo, enfim, a realçar culpabilidade altamente censurável, apta a justificar o recrudescimento da resposta penal”.
O regime inicial de pena definido para os dois delegados é o fechado.
Mais condenados
No acórdão do dia 7 de novembro, os desembargadores da 3ª Câmara Criminal, em atendimento aos pedidos do MPMPS, mantiveram as condenações de outros réus e ainda ampliaram penas em alguns casos. Seis policiais civis e uma perita foram condenados por usar a delegacia onde atuavam para cometer infrações penais graves.
Os policiais foram acusados de corrupção majorada e organização criminosa envolvendo veículos apreendidos na fronteira com o Paraguai. Conforme a Operação, eles cobravam propina para liberar veículos. A denúncia também indicou que eles fizeram negociações com drogas apreendidas, para devolver aos traficantes, inclusive com uso de veículo oficial. A pena para cinco policiais e a perita foi de 8 anos e para o sexto envolvido ficou em 3 anos de prisão.
Dois homens que foram beneficiados pelo “balcão de negócios” receberam pena de 4 anos e 2 anos de reclusão, por corrupção ativa.
Balcão de negócios
As investigações se iniciaram em maio de 2021 com a notícia de concussão praticada por parte de alguns policiais civis da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Ponta Porã na restituição de uma carreta para as respectivas vítimas, cujo pagamento se deu em parte por meio de um Pix.
O trabalho investigativo de 10 meses identificou a existência de uma associação criminosa formada por policiais civis aposentados e da ativa) que se utilizava das Delegacias de Polícia Civil de Ponta Porã/MS para a obtenção de vantagens patrimoniais indevidas, especialmente relacionadas à gestão de veículos apreendidos e sob a responsabilidade daquelas unidades policiais.
Ficou demonstrado, também, que havia uma associação para o tráfico, cuja droga comercializada era, algumas vezes, retirada do depósito da Delegacia de Polícia por um escrivão de polícia e repassada aos seus comparsas para a revenda.
Texto: Marta Ferreira de Jesus
Foto: GAECO